Abertura de novos mundos

Andréia De Bernardi Coordenadora geral do programa Vamos ao Museu?


PUBLICADO EM 28/06/15 - 03h00

JOYCE ATHIÊ
Vencedor do Prêmio Ibero-Americano de Educação e Museus, disputado por mais de 130 projetos de diversos países, o programa Vamos ao Museu? nasceu do desejo de ampliar o acesso à cultura e propõe novas formas de olhar para uma exposição. Para conhecer a iniciativa, o Magazine conversou com a idealizadora do projeto e discutiu sobre a arte no processo educacional.


Qual foi o contexto da arte educação que motivou a criação do Vamos ao Museu?
Eu trabalhei como educadora em museus durante muitos anos recebendo o público e, nesse trabalho, eu percebia que os grupos chegavam muito desinformados, sem orientação alguma sobre o que viriam ou fariam no lugar. Mesmo os professores que acompanhavam as visitas não tinham informações sobre as exposições, uma carência que representa a realidade das escolas, no preparo de alunos e professores para o encontro com obras artísticas e espaços como museus e centros culturais. Pensando sobre o assunto, em 2006 fizemos um projeto piloto que pudesse atender a essa carência e que pudesse sensibilizar o olhar, antes, durante e depois de uma visita a alguma exposição. Logo na primeira edição, que realizamos com uma escola pública em Nova Lima, fomos finalistas do Prêmio Arte na Escola Cidadã e isso nos deu impulso para dar continuidade ao trabalho que está quase completando dez anos, hoje, dependente de patrocínios e editais.

Em que consiste o projeto?

Nós escolhemos então escolas a partir de alguns critérios, como, por exemplo, a localização. Escolhemos aquelas que estão distantes dos centros culturais, centros de memória e, dentro das escolas, buscamos as turmas que tiveram menores chances de ter contato com estes espaços. A quantidade de turmas selecionadas depende do nosso fôlego financeiro, mas ficamos entre duas ou três turmas por edição do projeto. Antes de levarmos os alunos a uma exposição, realizamos dois encontros de sensibilização com eles, já trazendo elementos que serão trabalhados nas etapas seguintes, como o contexto sociocultural do artista em questão. Cada edição tem um museu ou centro cultural parceiro e, assim, trabalhamos de forma diferente a cada turma porque a gente tenta adequar o perfil dos alunos, do contexto onde moram e do entorno em que vivem e também dos elementos que podem ser explorados na exposição. Na edição de 2015, fomos ver “Kandinsky – Tudo Começa Num Ponto” e, nesta etapa inicial, trabalhamos fábulas russas com os alunos, explicamos os ciclos cromáticos, como as cores se formam, trabalhamos com as formas geométricas e também orgânicas, lembrando a linguagem abstrata de Kandinsky.

E como é feita a visitação?
Antes de levar os estudantes, nós fazemos um encontro com os educativos das exposições para estudarmos e combinarmos com os educadores os roteiros e abordagens. Assim, conseguimos instigar os alunos a observarem as obras, sem desconsiderar a bagagem deles, o que já viveram e criar um vínculo, um elo, para que eles entendam que a cultura não é para poucos. Todos podem dialogar com as obras de arte a partir do seu próprio lugar, despertar para suas próprias impressões e conclusões. Na visita, a gente dinamiza o trabalho e, quando a gente volta para a escola, a gente propõe trabalhos plásticos: gravura, pintura, fotocolagem. As pesquisas nos mostram, e nós também percebemos isso, que as pessoas têm pouco contato com manifestações artísticas, especialmente em museus e galerias. A arte no processo educativo não é tão priorizada como deveria. Apesar das mudanças, estamos engatinhando. A subjetividade, a imaginação e, sobretudo, a expressão, ficam em segundo plano na educação formal. E o que a gente sente do trabalho é um retorno muito positivo porque esta é uma oportunidade única da pessoa estar nesse lugar de fruição artística e de poder experimentar, sentir, falar e ser ouvida.

Como avalia o trabalho dos educativos?
Tenho visto um aprimoramento muito significativo de todo o trabalho realizado pelos educadores de museus. Vemos essa atividade sendo valorizada e é mesmo importante que tenha maior valor porque são os educadores que estão em contato direto com o público, eles é que realizam as pesquisas sobre as diversas formas de abordar uma exposição. Os grandes museus e centros culturais trabalham com a abordagem do diálogo em vez da visita guiada. O guia tem sido substituído pelo mediador e pelo educador porque é mais rico conversar e deixar que o público fale sobre o que está vendo, imaginando. Este formato visita-palestra está deixando de existir. Os educativos dos espaços da cidade estão cada vez melhores por causa dessa valorização da profissão. As pessoas ainda têm medo e vergonha de falar sobre a experiência da visita porque acham que aquilo não é para elas, que elas não entendem de arte. Mas quando a gente se coloca disposto a ouvir e valida a fala de um aluno, ela passa a se encorajar. Uma colcha de retalhos da avó, por exemplo, pode ser uma referência visual validada dentro do museu. Os educativos estão fazendo isso, permitindo esse tipo de associação.

E como os professores são inseridos dentro desse trabalho?
A gente percebe muitas deficiências na educação. Por isso, em paralelo ao trabalho com os alunos, nós também fazemos encontros com os professores, discutindo com eles conceitos de cultura, território educativo, fazemos com eles uma sensibilização e o educador da exposição apresenta metodologias e abordagens que o professor vai poder aplicar em qualquer outra visita que acompanhar. O educador também precisa ter oportunidade de formação porque a escola não oferece. Essa não é uma prerrogativa das políticas públicas. Então o professor tem a oportunidade de ver com a gente, seus pares, formas de abordar as artes com seus estudantes e poderem ser multiplicadores do projeto, realizando outras visitas e oficinas com os alunos.

Como avalia a experiência dos alunos durante a visita? Eles se sentem representados nestes espaços?

Essa é uma questão muito discutida, sobretudo no Circuito Cultural Praça da Liberdade porque os espaços são pomposos, assim como o Palácio das Artes. As pessoas acham o que o espaço não é para elas, que para entrar ali precisam usar determinado estilo de roupa, precisam se comportar de modo que não estão muito acostumadas. São espaços em que as pessoas falam baixo, andam devagar e isso tudo é muito diferente para elas. As instituições muitas vezes amedrontam o público do lado de fora, mas quando elas são convidadas a entrar, descobrem que aquele lugar é público, tem atividades gratuitas e também pode ser utilizado por elas. O projeto Vamos ao Museu? trabalha nesse sentido de abrir essas portas. Esse trabalho tem sido feito também por outras iniciativas que buscam o visitante não habitual. Mas eu acredito muito na escola, esse lugar de descoberta do mundo. As escolas precisam cumprir esse papel de estímulo aos alunos para que circulem por esses espaços porque isso significa uma abertura de mundo. E quanto à representação desses públicos nesses espaços, essa é outra grande questão que depende muito da exposição e também do ponto de vista em que a exposição é trabalhada. Vejo estas instituições abertas para as cultura que estão fervilhando na periferia. É embrionário ainda, mas vejo que há muitas possibilidades para que isso evolua.

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